Minha fonte de inspiração teológica |
Faz pouco
tempo que, numa entrevista para vaga de professor num colégio do Rio de Janeiro
me deparei com essa pergunta cortante e direta: “Qual é sua religião?”.
Fiquei
desconcertado. As palavras me faltaram. Gaguejei e tentei pensar rapidamente em
como responder com segurança algo que para mim é complexo. Creio que fui tão
estabanado que esse deve ter sido um dos motivos que a coordenadora não me
chamou mais, ainda que elogiasse o meu currículo.
Começo
sempre dizendo que sou cristão, mas até aí, sei que é muito relativo. Muitos se
dizem cristãos. Os católicos, os ortodoxos, os protestantes, os pentecostais e
sua variante neopentecostal (a teologia da prosperidade me parece um desvio
diabólico, mas procuro respeitar aqueles e aquelas que seguem esse rumo). Alguns
esotéricos e os kardecistas também se colocam como cristãos, pois todos esses reivindicam
o Novo Testamento de Jesus Cristo como base de sua fé pessoal-comunitária.
Estudei
teologia básica na PUC-Rio durante dois anos e lá aprendi demais com os
teólogos católicos a admirar a beleza e as reflexões da velha e tradicional
Igreja de Roma, isso no momento em que minha vida religiosa já tinha alguns
anos de vínculo com a tradição e a teologia liberal da Igreja Anglicana e,
depois, na pequena e querida Igreja Presbiteriana de Guadalupe dirigida pelo
reverendo Carlos Antônio, homem de Deus e de uma simplicidade encantadora.
Antes disso,
na época ainda de estudante, eu militava na Pastoral Universitária da UERJ e na
ABU (Aliança Bíblica Universitária) e lá aprendi muito com os meus irmãos metodistas,
em especial, o pastor Marcos Gomes Torres, a importância do engajamento de fé e
saboreava as comidas da Igreja Católica local que era ofertada aos membros da
PU, uma delícia. O pastor Marcos, um teólogo protestante da libertação, chamou-me
a atenção para o fato de que crer é agir no Espírito de Cristo, sem firulas e
nem teorizações excessivas. Nessa mesma época, Leonardo Boff era o professor de
Filosofia da Religião na instituição. Em 1985, conheci a Igreja Metodista de Vila Isabel.
Igreja Presbiteriana Unida |
Durante
algum tempo, ajudei no Conselho de Pastores da Igreja Presbiteriana Bethesda em
Copacabana, filiada a IPU (Igreja Presbiteriana Unida), e aprendi com meu
querido reverendo Nehemias Marien, hoje lá no andar de cima, que kardecismo e
cristianismo podem conviver de forma harmoniosa, sem perseguições e nem mútua
acusações. As pregações e conversas particulares com Nehemias me trouxeram
enormes meditações sobre o sentido último de nossa existência. A equipe se
completava com os reverendos Jonas Rezende e Rubens Pires, eu me sentia uma
anão espiritual perto desses homens.
Ainda na minha
adolescência, cresci numa família de catolicismo sincrético e conheci alguns
centros kardecistas e pessoas verdadeiramente dedicadas ao processo de
santificação com Cristo (eles chamam de “reforma íntima”). Esses exemplos me
deixaram marcas profundas de respeito e admiração pela filosofia espírita e por
aquilo que ela traz para a vida de muitas pessoas: consolo, paz interior e
mudanças de atitudes. Em especial, destaco o "Grêmio Espírita Nazareno" e o "Centro Espírita Deus, Luz e Verdade".
Dancei nas
giras de Umbanda e percebi o quanto esse povo sofre um preconceito estúpido.
Quanta gente de bem e devotada ao próximo lá conheci. Não esquecerei jamais dos
“Caminheiros de Oxalá” e da FEPAL, nem das orientações do livro “Umbanda cristã
e brasileira”.
Na infância,
invejava a família de Dona Maria (chamávamos de Tia Maria de Quintino). Era uma
casa adventista, no Morro da Caixa d’Água, que seguia com rigor e muito amor os
preceitos que me faziam desejar no futuro uma família assim também. Ela me
mostrou que é possível criar uma família honrada e com fé, mesmo num contexto
de degradação social, econômica e cultural. Seus filhos e filhas são hoje
pessoas de bem, nenhum se tornou bandido ou traficante.
Qual é a
minha religião?
Sei hoje que
o amor e o bem não têm fronteiras pessoais e nem religiosas. Conheci “santos” e
canalhas em todas essas religiões.
Estudar e orar com a Bíblia, uma benção! |
Tenho em
Jesus Cristo meu Senhor, Salvador e Mestre e pela Bíblia uma paixão sem igual. Nesse sentido, sou muito cristocêntrico, mas sem fanatismo ou bibliolatria superficial.
Identifico-me mais com o “princípio protestante” de livre exame das Escrituras
do que com a rigidez dogmática católica e excessos de imagens, o que não me
impede de apreciar a excelência de muitos dos seus teólogos e nem de orar em
seus belíssimos templos. Vez por outra, participo de uma missa, sem
constrangimentos, e sinto Deus ali presente. A liturgia cuidadosa, suas velas e o cheiro do incenso queimando me fascinam.
Sou avesso
ao fanatismo, ao fundamentalismo e ao biblicismo cego que infestou muitas
igrejas de raiz protestante no Brasil e sinto-me incomodado demais com isso,
pois vejo beleza nas mensagens de outras religiões, sinto elementos de grande
verdade em textos de Chico Xavier, Divaldo Pereira Franco e José Raul Teixeira –
para citar três grandes expoentes da literatura espírita kardecista – sem com
isso dizer “amém” para todas as linhas que os mesmos escrevem ou escreveram.
Chico Xavier, líder do espiritismo brasileiro |
A liturgia
tradicional das igrejas protestantes me encantam. Seus belíssimos hinos – sem gritarias
emocionais! – com sólidas e profundas reflexões bíblicas (na linha de Calvino,
Barth e Tillich, para citar alguns), sem idolatrias ou “papas”, deixam-me em
grande paz e favorece minha comunhão com o sagrado, meu êxtase espiritual, sem jamais
negar que há outras maneiras de experienciar esse mesmo sagrado, pois o
espírito do Senhor é livre e sopra onde quer.
Não posso me
dizer católico e nem ortodoxo, ainda que eu aprecie muitas obras de autores
dessas igrejas e sua maravilhosa tradição contemplativa. Também sinto paz em muitos textos espíritas kardecistas, mas minha
teologia estaria mais próxima do protestantismo de um Karl Barth e Paul Tillich
do que do positivismo racionalista evolucionista de Allan Kardec, ainda que eu tenha no Espiritismo um grande referencial, especialmente na linha desenvolvida por J.-B. Roustaing, Pietro Ubaldi e Carlos Torres Pastorino.
Tenho horror
ao neopuritanismo e sua ênfase numa
santidade de fachada, exterior, comportamental apenas, sem valorizar a
experiência de Deus no coração humano. Parece, em muitas denominações atuais – especialmente
pentecostais e neopentecostais – que ser cristão é apenas não usar bebidas alcoólicas,
não fumar, ser heterossexual e evitar sexo fora da instituição do casamento. Um
budista pode fazer isso melhor e ainda assim não será cristão. Além do mais, a
salvação nas Escrituras é obra da graça de Deus e da fé ou seria simplesmente
um conjunto de obras humanas que “conquistam” os favores de Deus?
Não defendo
nenhum sincretismo. “Cada macaco no seu galho” diz o ditado popular. Penso sim
que o pluralismo religioso é um valor democrático saudável demais. Aprendi a
respeitar as diferenças e conviver com elas, retendo tudo que for bom.
Igreja Anglicana |
Um grande
amigo me disse: “você continua pensando como um bom anglicano”. Pode até ser. Realmente,
essa flexibilidade mental e teológica é bem a marca dos anglicanos do século
21. O fato é que busco sempre caminhar com todos os meus irmãos de humanidade,
crescendo cada dia mais como ser humano e compreendendo que todos nós somos
sempre falhos e pecadores, carentes do amor e do perdão divinos.
A minha
teologia pode ser inconsistente e heterodoxa para muitos que conheço (uma
teologia fechada e amarradinha sempre tem descambado em autoritarismo e
agressividade), mas ela está aberta para o novo, para o amor e para as boas
novas do Reino de Deus. Não preciso excluir e nem desmerecer outros caminhos de
fé para demonstrar a beleza do Cristo e do seu Evangelho de amor e graça. Com isso, sinto a presença do Espírito Santo - ou dos Espíritos de Luz, Anjos do Senhor - em diversos momentos de minha vida.
Assumo minha
inconsistência, minhas dúvidas, o quanto eu sou débil em questões de fé. Conto
apenas com a misericórdia de Deus e com Seu Espírito para me direcionar dentro
do amor, do perdão e da caridade. Prefiro ser assim a “ter aquela velha opinião
formada sobre tudo”. Pessoas chatas sabem tudo, ou melhor, pensam que sabem. A
maioria das igrejas de hoje estão cheias de pessoas chatas. Onde eu poderia
congregar com meus irmãos e minhas irmãs?
Vou caminhando, como pastor errante e sem ovelhas, nos braços de nosso bondoso Deus.
Vou caminhando, como pastor errante e sem ovelhas, nos braços de nosso bondoso Deus.