segunda-feira, 12 de março de 2012

QUAL É A SUA RELIGIÃO?




Minha fonte de inspiração teológica
Faz pouco tempo que, numa entrevista para vaga de professor num colégio do Rio de Janeiro me deparei com essa pergunta cortante e direta: “Qual é sua religião?”.

Fiquei desconcertado. As palavras me faltaram. Gaguejei e tentei pensar rapidamente em como responder com segurança algo que para mim é complexo. Creio que fui tão estabanado que esse deve ter sido um dos motivos que a coordenadora não me chamou mais, ainda que elogiasse o meu currículo.

Começo sempre dizendo que sou cristão, mas até aí, sei que é muito relativo. Muitos se dizem cristãos. Os católicos, os ortodoxos, os protestantes, os pentecostais e sua variante neopentecostal (a teologia da prosperidade me parece um desvio diabólico, mas procuro respeitar aqueles e aquelas que seguem esse rumo). Alguns esotéricos e os kardecistas também se colocam como cristãos, pois todos esses reivindicam o Novo Testamento de Jesus Cristo como base de sua fé pessoal-comunitária.

Estudei teologia básica na PUC-Rio durante dois anos e lá aprendi demais com os teólogos católicos a admirar a beleza e as reflexões da velha e tradicional Igreja de Roma, isso no momento em que minha vida religiosa já tinha alguns anos de vínculo com a tradição e a teologia liberal da Igreja Anglicana e, depois, na pequena e querida Igreja Presbiteriana de Guadalupe dirigida pelo reverendo Carlos Antônio, homem de Deus e de uma simplicidade encantadora.

Antes disso, na época ainda de estudante, eu militava na Pastoral Universitária da UERJ e na ABU (Aliança Bíblica Universitária) e lá aprendi muito com os meus irmãos metodistas, em especial, o pastor Marcos Gomes Torres, a importância do engajamento de fé e saboreava as comidas da Igreja Católica local que era ofertada aos membros da PU, uma delícia. O pastor Marcos, um teólogo protestante da libertação, chamou-me a atenção para o fato de que crer é agir no Espírito de Cristo, sem firulas e nem teorizações excessivas. Nessa mesma época, Leonardo Boff era o professor de Filosofia da Religião na instituição. Em 1985, conheci a Igreja Metodista de Vila Isabel.

Igreja Presbiteriana Unida
Durante algum tempo, ajudei no Conselho de Pastores da Igreja Presbiteriana Bethesda em Copacabana, filiada a IPU (Igreja Presbiteriana Unida), e aprendi com meu querido reverendo Nehemias Marien, hoje lá no andar de cima, que kardecismo e cristianismo podem conviver de forma harmoniosa, sem perseguições e nem mútua acusações. As pregações e conversas particulares com Nehemias me trouxeram enormes meditações sobre o sentido último de nossa existência. A equipe se completava com os reverendos Jonas Rezende e Rubens Pires, eu me sentia uma anão espiritual perto desses homens.

Ainda na minha adolescência, cresci numa família de catolicismo sincrético e conheci alguns centros kardecistas e pessoas verdadeiramente dedicadas ao processo de santificação com Cristo (eles chamam de “reforma íntima”). Esses exemplos me deixaram marcas profundas de respeito e admiração pela filosofia espírita e por aquilo que ela traz para a vida de muitas pessoas: consolo, paz interior e mudanças de atitudes. Em especial, destaco o "Grêmio Espírita Nazareno" e o "Centro Espírita Deus, Luz e Verdade".

Dancei nas giras de Umbanda e percebi o quanto esse povo sofre um preconceito estúpido. Quanta gente de bem e devotada ao próximo lá conheci. Não esquecerei jamais dos “Caminheiros de Oxalá” e da FEPAL, nem das orientações do livro “Umbanda cristã e brasileira”.

Na infância, invejava a família de Dona Maria (chamávamos de Tia Maria de Quintino). Era uma casa adventista, no Morro da Caixa d’Água, que seguia com rigor e muito amor os preceitos que me faziam desejar no futuro uma família assim também. Ela me mostrou que é possível criar uma família honrada e com fé, mesmo num contexto de degradação social, econômica e cultural. Seus filhos e filhas são hoje pessoas de bem, nenhum se tornou bandido ou traficante.

Qual é a minha religião?

Sei hoje que o amor e o bem não têm fronteiras pessoais e nem religiosas. Conheci “santos” e canalhas em todas essas religiões.

Estudar e orar com a Bíblia, uma benção!
Tenho em Jesus Cristo meu Senhor, Salvador e Mestre e pela Bíblia uma paixão sem igual. Nesse sentido, sou muito cristocêntrico, mas sem fanatismo ou bibliolatria superficial. Identifico-me mais com o “princípio protestante” de livre exame das Escrituras do que com a rigidez dogmática católica e excessos de imagens, o que não me impede de apreciar a excelência de muitos dos seus teólogos e nem de orar em seus belíssimos templos. Vez por outra, participo de uma missa, sem constrangimentos, e sinto Deus ali presente. A liturgia cuidadosa, suas velas e o cheiro do incenso queimando me fascinam.

Sou avesso ao fanatismo, ao fundamentalismo e ao biblicismo cego que infestou muitas igrejas de raiz protestante no Brasil e sinto-me incomodado demais com isso, pois vejo beleza nas mensagens de outras religiões, sinto elementos de grande verdade em textos de Chico Xavier, Divaldo Pereira Franco e José Raul Teixeira – para citar três grandes expoentes da literatura espírita kardecista – sem com isso dizer “amém” para todas as linhas que os mesmos escrevem ou escreveram.

Chico Xavier, líder do espiritismo brasileiro
A liturgia tradicional das igrejas protestantes me encantam. Seus belíssimos hinos – sem gritarias emocionais! – com sólidas e profundas reflexões bíblicas (na linha de Calvino, Barth e Tillich, para citar alguns), sem idolatrias ou “papas”, deixam-me em grande paz e favorece minha comunhão com o sagrado, meu êxtase espiritual, sem jamais negar que há outras maneiras de experienciar esse mesmo sagrado, pois o espírito do Senhor é livre e sopra onde quer.

Não posso me dizer católico e nem ortodoxo, ainda que eu aprecie muitas obras de autores dessas igrejas e sua maravilhosa tradição contemplativa. Também sinto paz em muitos textos espíritas kardecistas, mas minha teologia estaria mais próxima do protestantismo de um Karl Barth e Paul Tillich do que do positivismo racionalista evolucionista de Allan Kardec, ainda que eu tenha no Espiritismo um grande referencial, especialmente na linha desenvolvida por J.-B. Roustaing, Pietro Ubaldi e Carlos Torres Pastorino.

Tenho horror ao neopuritanismo e sua ênfase numa santidade de fachada, exterior, comportamental apenas, sem valorizar a experiência de Deus no coração humano. Parece, em muitas denominações atuais – especialmente pentecostais e neopentecostais – que ser cristão é apenas não usar bebidas alcoólicas, não fumar, ser heterossexual e evitar sexo fora da instituição do casamento. Um budista pode fazer isso melhor e ainda assim não será cristão. Além do mais, a salvação nas Escrituras é obra da graça de Deus e da fé ou seria simplesmente um conjunto de obras humanas que “conquistam” os favores de Deus?

Não defendo nenhum sincretismo. “Cada macaco no seu galho” diz o ditado popular. Penso sim que o pluralismo religioso é um valor democrático saudável demais. Aprendi a respeitar as diferenças e conviver com elas, retendo tudo que for bom.
Igreja Anglicana
Um grande amigo me disse: “você continua pensando como um bom anglicano”. Pode até ser. Realmente, essa flexibilidade mental e teológica é bem a marca dos anglicanos do século 21. O fato é que busco sempre caminhar com todos os meus irmãos de humanidade, crescendo cada dia mais como ser humano e compreendendo que todos nós somos sempre falhos e pecadores, carentes do amor e do perdão divinos.
A minha teologia pode ser inconsistente e heterodoxa para muitos que conheço (uma teologia fechada e amarradinha sempre tem descambado em autoritarismo e agressividade), mas ela está aberta para o novo, para o amor e para as boas novas do Reino de Deus. Não preciso excluir e nem desmerecer outros caminhos de fé para demonstrar a beleza do Cristo e do seu Evangelho de amor e graça. Com isso, sinto a presença do Espírito Santo - ou dos Espíritos de Luz, Anjos do Senhor - em diversos momentos de minha vida.

Assumo minha inconsistência, minhas dúvidas, o quanto eu sou débil em questões de fé. Conto apenas com a misericórdia de Deus e com Seu Espírito para me direcionar dentro do amor, do perdão e da caridade. Prefiro ser assim a “ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Pessoas chatas sabem tudo, ou melhor, pensam que sabem. A maioria das igrejas de hoje estão cheias de pessoas chatas. Onde eu poderia congregar com meus irmãos e minhas irmãs?


Vou caminhando, como pastor errante e sem ovelhas, nos braços de nosso bondoso Deus.