No artigo
anterior, eu apresentei a ideia de que o atual Império global domina por
sedução, fascinação, ao mesmo tempo em que impõe medo e a ideia de que não há
alternativa ao sistema de mercado capitalista. Características de um sistema
sagrado, que por ser sagrado exige sacrifício de vidas humanas. (Sagrado exige
sacrifício, enquanto o Deus da Bíblia quer misericórdia em lugar de sacrifico.
Os profetas chamaram o deus/sagrado que exige sacrifício de ídolo.) Diante
deste tipo de capitalismo, que Marx chamou de "religião da vida
cotidiana" fundada na fetichização da mercadoria e do capital, a crítica
da religião se tornou novamente a condição preliminar de toda crítica.
Sem dúvida,
uma das críticas mais potentes contra esta "idolatria do mercado" foi
feita por alguns teólogos da libertação, como Hugo Assmann, Franz Hinkelammert,
Jon Sobrino e Júlio de Santa Ana. Infelizmente a maioria destes livros está
fora do catálogo das editoras e é pouco discutida ou estudada pelas novas
gerações. Muitas das discussões no campo da teologia não consideram o atual
sistema econômico-social como um tema teológico (no máximo como um tema da
ética social ou da doutrina social), e, por outro lado, muitos dos cientistas
sociais críticos não percebem o caráter sacral e religioso do atual sistema
global. Entre cientistas sociais mais conhecidos no Brasil, Michael Löwy é um
dos poucos que aprofundaram essa questão.
Esta
separação ou distinção entre a teologia/ciências da religião e as ciências
sociais como dois campos de conhecimento autônomos e independentes dificultam a
compreensão mais acurada e crítica do caráter religioso do capitalismo, que
Marx, M. Weber e W. Benjamin, entre outros mestres do passado, já haviam
apontado. Por isso, eu penso que um dos passos fundamentais para fazermos uma
crítica teórica da idolatria do mercado é repensar a própria concepção da razão
e do fazer ciência gestada no mundo moderno.
Para
entender melhor este desafio, é preciso primeiro criticar ou repensar a própria
concepção do que é a modernidade. Normalmente a modernidade é compreendida e
também criticada pela pretensão de construir um mundo baseado na razão e pela
proposta de emancipação da humanidade ou de revolução libertária. A crítica
pós-moderna se concentra na crítica da razão moderna e na pretensão de
construir um "novo" mundo a partir da noção de revolução.
O problema é
que nós assumimos a noção de modernidade que o próprio mundo Ocidental e
moderno, através dos seus intelectuais, pintou sobe si, isto é, assumimos a
ideologia do mundo moderno como a "verdade" sobre a modernidade. Se
olharmos bem, veremos que a modernidade foi construída sobre a exploração
colonial do continente que eles chamaram de América. Para acumular ouro e
prata, escravizaram primeiro os nativos do Continente e depois os negros da
África. Não satisfeitos com milhões de mortes causadas em nome da acumulação
"racional" da riqueza/capital, colonizaram também os países da África
e da Ásia. Em resumo, no outro lado da razão moderna está o irracionalismo de
genocídios em nome da acumulação do capital-ouro; o lado luminoso da ilustração
esconde o lado obscuro da modernidade, o seu lado irracional, sacrificial e
opressivo. Muito antes do holocausto - que no fundo é resultado extremado da
razão moderna - a Europa moderna já tinha causado genocídios na África, América
e Ásia. Genocídios esses que pouco escandalizaram a Europa por serem de povos
considerados inferiores pela razão moderna.
A base
material da ilustração-razão moderna foi construída com a conquista, escravidão
e exploração. Como Dussel já mostrou, a afirmação que iniciaria a modernidade,
"Penso, logo sou!", foi procedida e tornada possível por
"Conquisto, logo sou!"
Eu penso que
a separação radical entre assuntos teológicos e sociais, entre a dimensão
religiosa e a racional da sociedade, tem a ver com esta tentativa de esconder o
lado irracional, sacrificial, idolátrico da modernidade do seu lado
aparentemente racional e ilustrado.
O mundo moderno não é
antirreligioso. Ele é contra religiões que se opõe à racionalidade da
acumulação do capital e utiliza-se das religiões ou grupos religiosos que
servem ao seu objetivo.
Pior ainda, cria sua própria religião, que é expressão social do seu espírito
idolátrico.
Sem uma
compreensão crítica da modernidade e, portanto, também dos equívocos ou
insuficiência das críticas pós-modernas e da própria noção de pós-modernidade,
não podemos repensar a relação entre teologias críticas e teorias sociais
críticas e fazer uma crítica teórica séria da idolatria do mercado.
Autor do
texto: Jung Mo Sung [Co-autor, junto com Hugo
Assmann, do "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos
pobres", Paulus].
Fonte:
ADITAL/Publicado no domingo, 13 de março de 2011 - 21h57min
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